Pertencer...

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e nem a ninguém. Nasci de graça. Se no berço eu já experimentei essa fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vê uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome d eme dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastate arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de quanto sou pobre. Sou sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais que isso.
Com o tempo, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova da "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse àquilo que eu pertencesse. Mesmo as minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos-e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o.
Embora eu tenha uma alegria: pertenço, por exemplo, a meu país, e como milhões de outras pessoas sou a ele tão pertencente a ponto de ser brasileira.
(trechos de : PERTENCER, CLARICE LISPECTOR, PEQUENAS DESCOBERTAS DE MUNDO)

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