Estou doente.

Eu é que estiu escutando o assobio no escuro. Eu que sou doente da condição humana. Eu me revolto: não quero mas ser gente. Quem? quem tem misericórdia de nós que sabemos sobre a vida e a morte quando um animal que profundamente invejo - é inconsciente de sua condição?
Quem tem piedade de nós? Somos uns abandonados? uns entregues ao desespero? Não, tem que haver um consolo possível. Juro: tem que haver um consolo possível. Juro: tem que haver! Eu não tenho é coragem de dizer a verdade que nós sabemos. Há palavras proibidas.
Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer - e respondo a toda essa infâmea com - exatamente isto vai ficar agora escrito - e respondo a toda essa infâmea com alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essêncial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Pois é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais , então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdde.
Eu estou - apesar de tudo oh apesar de tudo - estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras.
Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencid: então eu amo.
Aliás não quero morrer. Recuso-me contra Deus. Vamos não morrer como desafio?
Não vou morrer , ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Uma cois garanto: não somos culpados!

(trecho de água viva, Clarice Lispector)

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