minha vida depois ou ele sabe.

Numa tarde corrida entre filas, bancos, shopping. Os meus olhos cansados, eis que uma parada pós almoço para um café, sozinho - é assim que eu tenho andado paro no antigo Café São Luiz (Centro da Cidade de Natal) onde frequentei assiduamente com meu pai, na minha infância.
Já não fosse só o lugar render tantas boas lembranças (uma pena que sofreu tantas modificações por outras cores, outra mobília, outros de outros e quase eu não o reconheça mais), eis que no meio da minha timidez surge um quase senhor cabelos cortados, óculos escuros, calça social e camisa de botão azul. Esse homem fala de cafés, solidão e cachorros:


- com o passar dos anos só piora, meu filho, é a doença do século e ninguém está imune.


Claro que nessa hora o meu coração acelerou e quis faltar o ar, mas encarei, mesmo que por trás dos meus e dos óculos dele, aquela tapa que o mundo estava me dando assim, descontraidamente. Alguma coisa queria pular do peito pra fora.


Era um encontro urbano entre dois desconhecidos cuja maior semelhança eram seus óculos escuros escondendo os olhos verdes, dos dois, atrás das lentes. E quem sabe dois olhares que se fotografaram em duas solidões urbanas e esverdeadas, como uma ferida em fase final.


E eu que quase nada falei, fiquei quieto. Parado. Sentado. Tomando café cheio de lembranças, embriagado do meu pai.


- é por isso que existe tanto cachorro no mundo, as pessoas estão solitárias, com depressão. Não mantem mais contato com as outras.


Ele tirou os óculos, como quem me enfrentasse, como quem me chamasse pra batalha cheio de dores e de urbanidades nos olhos.


E não era um discurso moral e com ódio da urbanidade, ele falava com seus óculos, com seus olhos descobertos, com sua sacola cheia de pastas azuis, com papéis em branco esperando um preenchimento, talvez.


Um preenchimento que dê a brancura do papel a palidez de sua pele.
O verde do seu olhar.


É claro que esse homem também sou, que tenho o hábito desapercebido de buscar histórias para guardar nos olhos e nas mãos.


Tudo isso aconteceu em minutos em que estive na presença deste homem que mudou minha vida e me mostrou a solidão.


(...)

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